"Nas humanidades ainda estamos na idade média" diz Pierre Lévy
Para Pierre Lévy, as ciências humanas precisam passar por uma revolução, como passaram as naturais, e a tecnologia é a chave pra atingir um patamar mínimo no tratamento dessa área.
Assista ao vídeo:
Transcrição do vídeo:
Pierre Levy, provavelmente o maior nome da filosofia da informação com seus estudos sobre cibercultura, inteligência coletiva e o mundo virtual em geral, está planejando lançar um novo livro e depois se aposentar.
Pra quem não viu ainda, eu fiz uma resenha completa do seu livro "O Que É O Virtual?", que tá no card aqui em cima, e já adianto que trata-se de uma abordagem inteiramente original e que nos faz ver com outros olhos esse mundo virtual no qual todos estamos inseridos, inclusive offline.
O filósofo franco-canadense é um dos pioneiros a tratar da relação entre sociedade e computador, em particular num mundo conectado. Ele se orgulha de escrever sobre o assunto desde o começo dos anos 1990... quando, ele diz, "tudo era mato".
Pra ele, as ciências humanas precisam passar por uma revolução, como passaram as naturais, e a tecnologia é a chave pra atingir um patamar mínimo no tratamento dessa área.
Uma coisa marcante que o filósofo disse em entrevista à Folha de São Paulo foi que “nas humanidades ainda estamos na Idade Média.” E a ideia desse vídeo é tentar entender esse raciocínio.
Atualmente, Lévy tem a pretensão ambiciosa de reorganizar o conhecimento humano e trabalha numa linguagem artificial que faria humanos conversarem diretamente com máquinas sem o intermédio da programação.
Aliás, vale notar que o Lévy aposta muito na linguagem humana como nosso grande diferenciador em comparação com os outros animais. Essa mesma hipótese explicativa pra nossa evolução é compartilhada no best-seller Sapiens, do historiador israelense Yuval Harari, como eu já expliquei num texto que escrevi pro Estado da Arte. E tanto o Lévy quanto o Yuval entendem que a nossa linguagem nos capacita a falar de coisas extremamente abstratas, e isso acaba nos dando vantagens evolutivas.
Porém, enquanto o Yuval acredita que a primeira grande revolução da nossa comunicação foi a Revolução Cognitiva, há 70 mil anos, o Lévy acredita que a primeira grande revolução foi a invenção da escrita, que nos possibilitou atingir sociedades mais hierarquizadas. De toda forma, o mesmo argumento de que a hierarquia possibilitou nosso sucesso na divisão do trabalho é compartilhado pelo Yuval.
O fato é que estamos passando por uma revolução completamente inédita, que é a tomada do mundo digital sobre nossas vidas. É extremamente difícil que, atualmente, uma pessoa não saiba o que é a internet, o que são smartphones e mesmo computadores. Digo, é claro que existem pessoas assim, como aquelas da tribo Sentinelas do Norte, porém a tendência é que o mundo digital seja plenamente o mundo real. E Lévy, desde a década de 1990, quando começou a escrever sobre a internet, já deixava claro que não temos boas razões pra acreditar que o virtual é antagônico ao real, e isso eu já expliquei em detalhes no vídeo resenha que fiz sobre o autor.
Clica aí e assiste depois, talkei!?
Agora, no campo da inteligência artificial, a rixa do Pierre Lévy com os outros especialistas da área é que, pro Lévy, a gente não deve ficar buscando desenvolver máquinas cada vez mais inteligentes, e que na verdade devemos, isso sim, fazer com que os computadores tornem a nós, seres humanos, em mais inteligentes.
E isso é uma distinção muito interessante porque, sendo um filósofo da informação, Pierre Lévy tá preocupado tanto com o que propriamente é informação quanto em como a informação chega a nós. E já virou conhecimento comum a noção de Big Data: se antes da internet era preciso fazer recortes estatísticos bem específicos pra tentar entender a realidade, hoje as estatísticas já estão aí, na rede, em tempo real, sendo constantemente alteradas conforme nós interagimos, inclusive enquanto você assiste a este vídeo.
E isso é informação sendo trocada de ponta a ponta. Essa troca é apenas uma dentre zilhões de outras que estão sendo realizadas neste momento, bem como acumuladas e gerando novas e novas estatísticas que serão usadas das mais variadas formas, seja pra vender anúncio no Facebook, seja inclusive pra estudar o seu assunto preferido naquele PDF que você baixou gratuitamente no LibGen.
O acesso ao Big Data é universal, pra todos, e embora seja algo incrivelmente positivo pro nosso bem-estar, isso tem causado problemas epistemológicos e metodológicos dos mais variados, pois a nossa dificuldade atual reside em organizar o nosso conhecimento... Um conhecimento que é tão vasto e tão disponível que não sabemos o que fazer ou como lidar com ele.
Outra coisa interessante é que o Pierre Lévy fala sobre a importância de buscarmos precisão na nossa linguagem natural, pois só teremos uma verdadeira inteligência coletiva se pudermos minimamente nos entender através das barreiras dos diferentes idiomas e das mais variadas ambiguidades que as palavras possam ter.
Junto a essa busca pela compreensão comum da nossa linguagem natural e humana, precisamos também fazer com que as pessoas consigam compartilhar de uma linguagem comum com os computadores, algo que atualmente apenas cientistas da computação ou programadores conseguem fazer.
Só que, pro Lévy, que as pessoas comuns consigam dialogar em linguagem de inteligência artificial faria com que a nossa inteligência coletiva fosse realmente predominante, e não teríamos apenas máquinas mais inteligentes, mas seres humanos cada vez mais inteligentes.
É simplesmente notável que esse manifesto que o Pierre Lévy faz a favor da unificação e precisão da linguagem é uma preocupação que vemos ser bem difundida pelos filósofos analíticos, que são aqueles que acreditam que, pra haver progresso na filosofia, é preciso que, primeiro, a gente comece se entendendo.
Em resumo, eu diria que a crítica do autor sobre as humanidades precisarem sair da idade média se resume num ponto: precisamos entender que a filosofia pode ser feita de forma científica.
E isso é interessante, porque se na Grécia Antiga tudo que era estudo sobre o mundo era tratado como filosofia, e foi só na modernidade que a filosofia se separou da ciência, agora Pierre Lévy nos convoca a reatar a relação da filosofia com suas diferentes filhas científicas, buscando uma nova integração originária, uma verdadeira e universal inteligência coletiva.
O autor é muito bem-vindo aqui no Brasil, já esteve algumas vezes a convite do Fronteiras do Pensamento. Então fica a dica: além de assistirem à minha resenha sobre ele, recomendo que vocês vejam também suas entrevistas pro Fronteiras, leiam a entrevista na Folha de São Paulo e leiam seus livros na íntegra.
Também vale lembrar que, em 2020, o Lévy pretende lançar um livro explicando a gramática da nova língua que ele tá buscando pra organizar o nosso conhecimento. Depois disso, ele pretende se aposentar de dar aulas, mas provavelmente vai continuar escrevendo enquanto ainda for vivo.
Bom pessoal, eu vou ficando por aqui. Se vocês concordam com Pierre Lévy de que a popularização da filosofia é um benefício para a humanidade, considerem me ajudar na divulgação de assuntos filosóficos. Há várias formas de me apoiar, basta acessarem meu site, em alyssonaugusto.com.br/apoie, e optarem pela que for mais conveniente ao seu bolso.
Considerem também comprar os livros de Pierre Lévy pelos links da Amazon que eu deixo nos comentários. Cada livro comprado pelos meus links me dará retorno financeiro e será uma forma de apoiar o canal.
Eu sou o Alysson Augusto e nos vemos no próximo vídeo. Até mais.