Web descentralizada - Parte 2

in #pt4 years ago

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O objetivo desta série de dois artigos é entender o conceito de web descentralizada e de que maneira as plataformas blockchain podem fazer uso dela.

Na primeira parte demos contexto à situação da web atual e aos problemas por ela criados. Hoje vamos analisar alguns exemplos de aplicações e sistemas descentralizados e a maneira como estes podem ajudar a lidar com os riscos associados à centralização das grandes plataformas.

Sistemas descentralizados e a luta contra a consolidação do poder

Devido ao avanço das funcionalidades daquilo que pode ser construir com recurso à tecnologia blockchain, a oferta de soluções descentralizadas para uma nova web não param de aumentar de ano para ano. Apesar dos desafios serem muitos e a competição feroz, existe uma força motriz única a esta indústria — uma comunidade com talento, experiência e um campo de ideias fértil.

Para este artigo decidimos analisar 4 plataformas construídas na blockchain, que têm como principal objectivo a descentralização da web.

Sia.tech
Sia acredita que a privacidade é um dos direitos básicos do ser humano e faz da sua missão uma luta para a proteção da mesma.

A sua tecnologia combina o uso de redes peer-to-peer e blockchain para oferecer uma plataforma descentralizada para armazenamento de dados. Os ficheiros são divididos em aproximadamente trinta pedaços mais pequenos, encriptados, e enviados para os computadores hospedeiros que os armazenam, tudo isto feito com o auxílio de smart contracts. Existe também a possibilidade de alugar a memória extra dos nossos computadores em troca de Siacoin, que é a criptomoeda nativa da plataforma Sia.

Sia pretende revolucionar a indústria cloud e remover a necessidade de se confiar em terceiros para o armazenamento e funcionamento do futuro da web.

Blockstack
A Blockstack é uma rede aberta que tem como objectivo a criação de uma internet onde os dados e informação são propriedade dos seus utilizadores. Através do uso da sua plataforma blockchain é possível criar aplicações e smart contracts, que funcionam de maneira independente, aberta e completamente descentralizada. O projecto consiste em quatro partes:

Gaia - Um sistema encriptado que armazena os dados dos utilizadores. O que torna esta aplicação diferente de muitas outras é a possibilidade de escolher onde se quer armazenar os ficheiros. As opções existentes permitem armazenar dados na cloud, localmente or remotamente.

dApps Market - Um directório de aplicações construídas na blockchain, incluindo aquelas que usam a plataforma Blockstack.

Blockstack Auth - Muito ao estilo do Google Auth, este autenticador funciona apenas para aplicações descentralizadas na plataforma Blockstack. Também inclui um sistema de nomes de domínio (DNS) para registar nomes associados a endereços Bitcoin.

Blockstack Browser - Uma extensão que permite o acesso à lista de utilizadores, a gestão e criação de novos IDs (sistema de identificação) e às aplicações criadas na plataforma. A equipa por detrás do desenvolvimento do projecto garante que o download da informação obtida através da pesquisa no browser é feito através de outros utilizadores e não diretamente do servidor do website, eliminando assim um possível único ponto de falha.

Steemit
A rede social recompensa os seus utilizadores com pagamentos em criptomoedas para publicarem e interagirem na plataforma. Construída em cima da blockchain Steem, os pagamentos são feitos com a criptomoeda nativa da rede com o mesmo nome.

As criptomoedas são geradas de maneira consistente e adicionadas a uma “reserva de prémios” que serve para premiar os conteúdos criados pelos utilizadores da plataforma. Em teoria, quanto melhor for o conteúdo mais prémios se receberá.

Com mais de um milhão e duzentos mil utilizadores em 2020, Steemit está a redefinir o conceito daquilo que é uma rede social, através da criação de um espaço que é de todos, que respira a liberdade, e com uma economia própria onde onde utilizadores são premiados por partilharem a sua voz com a comunidade.

Blocknet
A plataforma blockchain Blocknet é um protocolo de interoperabilidade que permite a comunicação, interação e transferência de dados e valor entre diferentes plataformas de blockchain privadas e públicas. O projecto Blocknet funciona em rede aberta e é governado pela comunidade que tem contribuidores espalhados pelo mundo inteiro.

A plataforma tem três componentes principais que ajudam na descentralização do protocolo:

XBridge - É um sistema permite que os ativos suportados pela plataforma Blocknet possam ser transferidos entre si, de maneira descentralizada e segura.

XRouter - Esta funcionalidade assegura a interoperabilidade entre blockchains, permitindo o acesso e verificação dos registos sem a necessidade de se fazer o download da blockchain na sua totalidade.

XCloud - É um micro-serviço de cloud descentralizado que permite a programadores armazenar informação e aplicações de diferentes sistemas na cloud pública da plataforma Blocknet. Isto é possível através da interoperabilidade oferecida pelo XRouter.

Da mesma maneira que a internet permite aos computadores comunicarem entre si, o objectivo da plataforma Blocknet é possibilitar uma comunicação transparente e descentralizada entre diferentes tipos de blockchains.

Porque nem tudo são rosas

Apesar das promessas dos sistemas descentralizados serem muitas e atrativas, existem também alguns desafios que terão que ser ultrapassados para que esta indústria cresça de maneira sustentada e para que os erros do passado não se voltem a cometer.

Adoção da tecnologia por parte de usuários e programadores - Ter uma tecnologia superior e que promete uma web melhor, não atrai só por si milhões de usuários ou os programadores necessários para o crescimento do ecossistema. No caso das redes sociais em particular, é extremamente difícil criar o efeito viral necessário para a adoção das mesmas, principalmente quando a posição adotada por este tipo de plataformas — Steemit por exemplo — é uma de competição contra as atuais redes como Facebook e Twitter, em vez de complementação. Tudo isto torna mais difícil a criação de um sistema interoperável que permita a descoberta de novos tipos de plataformas.

Segurança - Sistemas descentralizados e abertos permitem a todos fazerem parte do ecossistema e este tipo de abertura requer fortes componentes de segurança. Manter estes ecossistemas seguros, passa muitas vezes por transferir a responsabilidade para os utilizadores, exemplo disso é a necessidade da gestão de chaves de criptografia. Plataformas como Blockstack e Steemit ainda não conseguirão criar uma narrativa atrativa que desperte interesse para o público que não seja criptoaficionado. Desenvolver sistemas atrativos, fáceis de usar e que sejam criptograficamente seguros é umas das tarefas mais difíceis que a indústria crypto enfrenta. No entanto, acreditamos que não é uma tarefa impossível mas que irá requerer um foco maior em usabilidade. Foco esse que irá permitir a estes sistemas tornarem-se verdadeiramente globais.

Incentivos - Também aqui as plataformas descentralizadas apresentam inúmeros desafios. Como criar plataformas que tenham os incentivos correctos e não os que geram mais dinheiro? Desenhar sistemas robustos que passem o controlo da monetização de conteúdos para as mãos dos utilizadores poderá ser uma alternativa válida aos algoritmos que perseguem os euros e os conteúdos virais, normalizando muitas vezes o que de pior existe na nossa sociedade.

Consolidação de mercado - Quanto maior as plataformas, maior o número de usuários e maior o efeito de rede que podem gerar. Isto significa também que o seu lucro cresce, e os incentivos para fazer mais e continuar a crescer tornam-se extremamente interessantes a nível financeiro. O mesmo acontece em sistemas descentralizados. No caso do Bitcoin por exemplo, a consolidação de mercado acontece através da criação de mining pools que são grupos organizados de mineiros que juntam a sua potência computacional para poderem participar no processo de mining de uma maneira mais lucrativa e receberem assim as recompensas geradas pela validação das transações. Promover uma competição saudável entre plataformas num ecossistema interoperável, que tenha regras robustas e que não facilitem nem promovam a concentração de poder, tornar-se-á um requisito obrigatório na luta contra a consolidação de mercado e para o sucesso dos sistemas descentralizados.

Inúmeros desafios terão que ser ultrapassados para conseguirmos fazer mais e melhor. O sonho de uma web descentralizada, privada, segura e justa parece estar mais perto que nunca, no entanto, será necessário tentar a todo o custo não cometer os erros do passado. Se conseguirmos fazer isso, talvez tenhamos uma oportunidade real para melhorar a sociedade e vida de milhões de pessoas. A nós parece-nos que vale a pena fazer isto bem, e tu o que achas?